O Judiciário está falido? Questão delicada, mas que todos os operadores do Direito do país estão acostumados a ouvir. A verdade é que os processos são excessivamente lentos, a qualidade da prestação jurisdicional não é das melhores e a adoção do peticionamento eletrônico não parece ser remédio para todos os males.

Precisamos de soluções. Como não poderia deixar de ser, aumentar o quadro de juízes é uma alternativa eternamente em pauta. Afinal de contas, os processos são muitos e os juízes são poucos. Mas nem só de mão de obra vive o Judiciário. Há também a ideia extremamente positiva de trazer o conceito da mediação para o centro do debate e, talvez, para o centro do novo Código de Processo Civil. Isto representaria a adoção dos métodos adequados (antes, alternativos) de solução de conflitos, algo que tem o potencial de alterar o panorama da Justiça no Brasil. Será o suficiente?

Antes de responder, um dado para se refletir: o número de cursos jurídicos existentes no território Brasileiro supera o número total de cursos jurídicos existentes em todo o mundo. A grosso modo, isso significa que, ao menos potencialmente, temos capacidade de formar mais advogados do que todos os outros países do globo combinados. Aliás, em levantamento realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, ficou provado que temos hoje no País, em média, um advogado para cada 322 habitantes. Em Capitais esse número é ainda mais assustador: em Brasília, um para cada 140; no Rio de Janeiro, um para 154; em São Paulo, um para 203. Ressalte-se que esses números levam em conta apenas aqueles efetivamente inscritos, e não os bacharéis em direito que, mesmo formados, não conseguem aprovação no exame da OAB.

Disso decorrem algumas consequências óbvias. A primeira delas é a luta feroz pela sobrevivência em um mercado saturado e sem capacidade de absorção. A segunda – que é o foco desse artigo – tem a ver com a mentalidade: a maioria desses profissionais ainda enxerga a advocacia como sinônimo de processo judicial. Para eles, sem litígio não há lucro.

É isso o que afoga o Poder Judiciário. Formar advogados para o litígio é retirá-los da condição de cabeças pensantes e submetê-los ao papel de vendedores de processos judiciais, intermediários entre o cidadão e o Juiz. Infelizmente, o foco primário da advocacia não é mais a busca de uma solução para um problema apresentado. O objetivo é encontrar o caminho que leve ao litígio.

Com isso, a ideia central da Mediação não tem como germinar. Esse advogado adversarial, em razão do próprio meio em que foi concebido, tem dificuldades para enxergar que ele também é responsável pelos problemas que afligem o sistema Judiciário.

Muito acertadas, pois, as palavras do Desembargador José Renato Natalini em artigo no jornal O Estado de São Paulo (03 de setembro de 2014): “a intensificação dos litígios somente evidencia o mau uso da ciência jurídica.” De fato, a saída não é só aumentar o número de Juizes, ou dos Tribunais, ou mesmo dos recursos à disposição do cidadão. Da mesma forma, acredito que a Mediação sem Conscientização não resolverá o problema. O que poderá fazer alguma diferença é um trabalho duro, missionário, para alterar a mentalidade viciada de alguns operadores do direito, que só enxergam a Justiça como uma consequência do Litígio.

O advogado tem uma função social muito mais importante do que ele mesmo acredita possuir. Não é só um pitbull na defesa do cliente, mas um agente social importantíssimo para a resolução direta de conflitos. Mahatma Gandhi, então um jovem advogado atuando na Africa do Sul, teve essa mesma revelação e a expressou claramente em suas memórias:

Minha felicidade foi imensa. Eu descobri a verdadeira advocacia. Eu aprendi a encontrar o melhor lado da natureza humana e entrar no coração das pessoas. Eu compreendi que a verdadeira função do advogado é unir as pessoas que foram separadas. Essa lição ficou marcada em mim de forma tão indelével que grande parte de meus 20 anos de advocacia foi ocupada com a viabilização de acordos entre as partes em centenas de casos. E assim procedendo eu nunca perdi nada – nem dinheiro, e muito menos minha alma.” (in The Story of my experiments with truth, Public Affairs Press edition, 1948, tradução livre)

Para o poder judiciário isso significaria Sustentabilidade, o desafogamento de um sistema à beira do colapso. A filosofia puramente adversarial da advocacia tem gerado um resíduo tóxico de milhões de processos desnecessários nas costas de Juízes já sobrecarregados, ao ponto de fazê-los perder de vista seu objetivo principal – a distribuição de justiça. Ser Juiz, hoje, é trabalhar incansavelmente apenas para diminuir o número de processos em sua vara, uma obsessão justificável diante das circunstâncias.

A verdade é que na rotina da maioria dos advogados brasileiros não há espaço para os métodos de resolução de conflitos. Muitos nunca ouviram falar da mediação. O que há na vida real é uma tentativa apenas ritual da busca do acordo, o qual, uma vez frustrado, fornecerá a justificativa esperada para o ajuizamento da ação. O subproduto dessa falta de consciência é a poluição de nosso sistema judicial.

É preciso introduzir a ideia de que esse tipo de comportamento gera consequências nefastas para a sociedade, não só em relação ao custo do processo para o Estado, mas também à demora indecente acarretada aos que realmente dele necessitam.

Estamos em tempos de conscientização: fazemos campanhas para que se economize água, pelo respeito ao meio ambiente, para que se diminua a emissão de carbono, pela reciclagem. Por que não uma campanha pela moderação no uso das vias judiciais? Como o plástico, que demora mil anos para se decompor, é preciso alertar que também a ação judicial demora anos para se resolver. Incentivemos, pois, o uso de uma técnica bem mais antiga, barata e orgânica: diálogo e bom senso.

Mario SolimeneAuthor posts

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Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

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