Hoje vamos falar sobre usucapião extrajudicial e as alterações nesse instituto pelo Provimento CNJ 65/2017. Como advogados especialistas em Usucapião, estamos bem à vontade para continuar a tratar do tema – já que este não é o primeiro artigo que escrevemos neste blog sobre suas modalidades. Vamos ao que interessa.

O que é usucapião extrajudicial ou administrativo? O Usucapião em Cartório.

Usucapião, como sabemos, é uma forma de aquisição da propriedade pela posse prolongada, após o cumprimento de certos requisitos indispensáveis – entre eles, a demonstração do tempo de ocupação – que permite a regularização desse bem no cartório de registro de imóveis.

O Usucapião extrajudicial é uma modalidade relativamente nova, que foi introduzida pelo novo Código de Processo Civil em 2016, que acrescentou o artigo 216-a à Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73). Antes dessa alteração legal, o único caminho possível seria a via Judicial, que não só é mais demorada, mas que também alimenta o ciclo crônico acúmulo de demandas que, por sua vez, provoca a lentidão em todos os demais processos em curso. Trata-se de uma tentativa do legislador de desburocratizar o procedimento e acelerar sua resolução, razão pela qual seu procedimento é todo feito em Cartório.

A inovação trazida pelo Código Processo Civil era excelente, mas em sua concepção original o procedimento adotado terminou por engessá-lo, especialmente em função de dois requisitos considerados básicos que acabaram por funcionar como fator limitante. Mas a vinda do Provimento 65/2017 reviveu o procedimento e lhe deu roupagem mais definida e moderna, conforme veremos mais adiante.


Requisitos do usucapião extrajudicial

Para que o usucapião extrajudicial possa ser solicitado é necessário, obviamente, que todos os requisitos legais sejam cumpridos para o caso concreto, e para a verificação de quais são eles eu os remeto a outro artigo escrevi algum tempo, no qual indico todas as formas de usucapião, prazos, situações especiais prazos, situações especiais e tudo o mais. Todos esses elementos são indispensáveis aqui também, mas ao invés de se apresentar a situação a um juiz, eles são trazidos ao tabelião em um cartório de notas para análise.

É importante dizer que a condição para que o usucapião extrajudicial possa ser viável é a inexistência de conflito entre as partes. Caso o proprietário registral (aquele que aparece na matrícula do imóvel) se oponha à pretensão do interessado, tudo será amealhado e enviado à Vara Judicial para apreciação pelo juiz competente.

Documentos Usucapião Extrajudicial

A relação de documentos indispensáveis ao Usucapião Extrajudicial é extensa, mas – como falaremos mais abaixo – ele é menos onerosa do que a originalmente imaginada pelo Código de Processo Civil. A lista é dada pelo artigo 4o do Provimento 65/2017, e pode ser assim resumida:

I – ata notarial;

II – planta e memorial descritivo;

III – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse;

IV – certidões negativas

V – descrição georreferenciada;

VI – instrumento de mandato ao advogado;

VII – declaração ao defensor público (caso não se utilize advogado particular);

VIII – certidões do imóvel.

No vídeo abaixo trato da questão central deste artigo, dando ênfase aos aspectos da concordância do proprietário registral, da dispensa da planta e memorial descritivo para casos de 

Usucapião extrajudicial 2019 na prática – planta e memorial

Usucapião Extrajudicial Provimento 65/2017 – Parte 1: concordância do proprietário Registral

O primeiro dos fatores limitantes mencionados acima era que o proprietário registral precisaria concordar expressamente com a realização do usucapião extrajudicial. Isso representava um obstáculo terrível, pois ao final das contas tudo dependia de uma atitude positiva da pessoa menos interessada no andamento do pedido de usucapião. Como a tendência nesses casos é a inércia, o caso invariavelmente acabava sendo bloqueado administrativamente e se transformava em processo judicial, algo que derrotava a própria essência do procedimento.

Tudo isso mudou em dezembro de 2017 com a edição do provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dentre outras coisas alterou a consequência da inércia do proprietário registral: a partir de agora, se ele não se manifestasse, esse silêncio seria tido como concordância. A mudança foi sutil, mas muito efetiva, pois destravou a via administrativa e fez com que o procedimento se tornasse mais efetivo.

Usucapião Extrajudicial Provimento 65/2017 – Parte 2: casos de dispensa da planta e memorial descritivo

A segunda alteração importante trazida pelo provimento CNJ 65/2017 foi em relação à exigência que se fazia quanto ao memorial descritivo e da planta do imóvel. Seu artigo 4, § 5º, estabelece que estes documentos serão dispensados “se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula.”

Removeu-se com isso uma barreira muito importante. Tratava-se de providência cara e absolutamente inútil, ao menos no que diz respeito aos casos de condomínio e loteamento. Isso porque, por exigência legal, tais documentos já devem estar previamente depositados no Cartório Imobiliário, justamente porque eles são requisitos indispensáveis para a instituição do condomínio ou regularização loteamento. Teríamos, portanto, uma repetição desnecessária do mesmo ato, que apenas encarecia e retardava o procedimento.

A importância da Ata Notarial

Outro ponto importante a se discutir no usucapião administrativo é a ata notarial, algo referido expressamente pela Lei como requisito indispensável. Para quem não é do direito e talvez nunca tenha ouvido falar desse mecanismo, estamos diante de uma ferramenta bastante importante para no Direito atual. Nas palavras de Leonardo Brandelli, a “Ata notarial é o Instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento.”

Ou seja, o Tabelião tem a possibilidade de enxergar um determinado fato e transforma-lo em palavras, produzindo um documento que tem fé pública e pode ser utilizado para fins judiciais. Por exemplo, ao invés de termos uma audiência perante o juízo para que se ouçam as testemunhas, tudo o que se tem de fazer é trazê-las ao tabelião. Seus depoimentos serão reduzidos a termo em uma ata notarial (nesse caso, uma escritura declaratória), que fará prova das narrativas feitas ao notário.

Dentro da estrutura do procedimento administrativo esta peça é fundamental, já que materializa os fatores que demonstram o direito de usucapião em si. Nos termos do artigo 4o inciso I, do Provimento 65/2017 do CNJ, sua função é atestar:

a) a descrição e características do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;

b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;

d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional;

e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições;

f) o valor do imóvel;

g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.”

Vê-se que o tabelião não é uma figura passiva, mas efetivamente atua para obter com precisão as informações necessárias e ter a certeza de que não há prejuízo a interesses de terceiros. Há até mesmo situações em que ele poderá (ou deverá) comparecer ao local do imóvel para atestar determinados fatos, como os relativos à natureza da ocupação, construções e limites com propriedades vizinhas, podendo efetuar o registro por fotos e vídeos para demonstrar a situação fática no momento da visita.

Conclusão

O usucapião extrajudicial trazido pelo Novo Código de Processo Civil e suas alterações promovidas pelo Provimento 65/2017 do CNJ representam tentativas de desburocratização que merece aplausos. É preciso que outras iniciativas surjam com esse mesmo propósito, de modo a desafogar o Poder Judiciário e entregar ao cidadão um serviço justo e eficiente.

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Mario SolimeneAuthor posts

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Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

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