A importância da conscientização do herdeiro para a resolução do processo de inventário

“Tempo é dinheiro” – aí está uma frase nunca sai de moda. Trás à mente a imagem do banqueiro vestindo terno com colete e de charuto na mão. É uma imagem esteriotipada, claro, mesmo porque esse mantra não deveria estar restrito ao mundo das grandes fortunas. A ideia mais importante é a de poder de decisão. No sistema Capitalista, há os que vendem sua força de trabalho para obter renda e aqueles que, das mais diversas formas, se utilizam do capital acumulado para fazer o mesmo. O herdeiro é o feliz destinatário da riqueza de outrem, e por isso mesmo passa a ter uma posição mais favorável nesse jogo de poder. Mas há contrapartidas: suas decisões pesam mais (para o bem ou para o mal) e o tempo fica mais caro.


Muitas vezes o herdeiro não têm consciência dessa situação  e continua a tocar a vida no mesmo ritmo, como se nada tivesse acontecido. Afinal de contas, se o processo de inventário é demorado por natureza, para que se preocupar?

Não é bem assim. No caso de ações adversariais (contencioso judicial), o atraso do processo é diretamente proporcional a fatores que, em sua maioria, estão fora do controle da atuação do advogado: natureza da causa, quantidade de processos da vara, número de funcionários ativos do Cartório, disponibilidade do Juiz, rapidez do Oficial de Justiça, etc… Mas no caso do inventário, o problema é mais óbvio: o próprio herdeiro.

Quanto maior for a quantidade e qualidade de bens a inventariar, maior o potencial para brigas e atrasos nesse inventário. Não é fácil abrir mão daquela casa em Higienópolis em prol de sua irmã (e cunhado), para ficar com a outra em um local menos valorizado. A solução óbvia seria a velha Lei de Salomão: dar um pedaço de cada imóvel a cada um dos filhos. Mas isso nem sempre (ou quase nunca) é possível ou desejável. Os inconvenientes podem ser enormes, principalmente se a dificuldade de relacionamento entre os herdeiros for algo intransponível e a venda do bem desinteressante do ponto de vista econômico (ou emocional). Assim, os inventários se arrastam. Advogados permanecem com um processo interminável no colo, e muitas vezes sem qualquer remuneração (já que o esperado percentual dos bens viria só ao final).

Mas se os herdeiros forem pessoas racionais (o que nem sempre é algo verificável), ainda há esperança de acordo. Para isso é preciso que os advogados coloquem suas focinheiras, evitem o conflito (o que nem sempre é algo possível), e não se percam no emaranhado das mazelas familiares. Foco na resolução do problema, não na briga familiar.

O importante é que façam ver aos familiares que uma divisão ruim é sempre melhor do não haver divisão alguma. É claro que o desiquilíbrio evidente não pode ser aceito, mas de maneira geral, concessões mútuas são indispensáveis. Afinal, quanto mais o tempo passa, mais despesas são geradas (de manutenção, impostos, etc), mais o imóvel se desvaloriza e menos frutos são colhidos. Exemplos práticos ajudam: o dinheiro obtido com um imóvel vendido hoje, se direcionado a qualquer tipo de aplicação financeira (até mesmo a poupança), tem o potencial de gerar até o dobro de seu valor em rendimentos no período de 10 anos. Já um apartamento não alugado, nesse mesmo período, poderá gerar mais dívidas de condomínio e IPTU do que seu próprio valor de mercado. Tempo, de fato, é dinheiro.

Quanto mais rápido os herdeiros entenderem esta realidade, mais rápido o inventário será terminado. O grande problema é que nem sempre a lógica financeira pode sobrepujar os fatores psicológicos. As mágoas do relacionamento familiar normalmente afloram nesses momentos e pesam muito para uma decisão. Resistências de um herdeiro em relação a outro aumentam ou diminuem à medida que estes desafios são enfrentados com energia construtiva ou destrutiva. Nunca é demais repetir: foco na resolução do problema, não no conflito.

Se a barreira parecer intransponível, uma boa solução seria procurar um mediador familiar e iniciar um diálogo que possa gerar algo produtivo. Tenha em mente que a atuação desse profissional não tem como objetivo a resolução dos problemas emocionais havidos entre os familiares. A abordagem, é claro, poderá também enveredar por esses temas, mas sempre com a finalidade específica de abrir canais de comunicação que busquem resolver a questão prática – que, no caso, é o inventário. Divã é para o psicólogo.

Mario SolimeneAuthor posts

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Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

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